Uma alimentação completa e equilibrada é essencial para o bem-estar físico e psicológico. Apesar de esta ser uma verdade transversal a todas as fases da vida, assume particular importância em determinados momentos. O período periconcecional é um deles!

Neste artigo será abordada a importância da alimentação e suplementação nos primeiros 1000 dias de vida. Este período, desde a conceção até aos 24 meses de idade, constitui uma fase crucial para o desenvolvimento e programação da saúde futura do bebé. Já na década de 80, através da “Hipótese de Barker”, se estabelecia uma relação entre a programação fetal e o aparecimento de doenças crónicas na vida adulta. A preconceção, não abrangida nestes 1000 dias, tem também um impacto significativo na saúde das gerações futuras. Embora desejável, na grande maioria das vezes, não é possível atuar nesta fase, dado ainda não existir um acompanhamento médico e/ou nutricional. Contudo, uma adequada nutrição nesta fase, mesmo antes da conceção, é determinante na viabilidade da gestação, assumindo também um grande impacto na fertilidade do casal. O período gestacional é marcado por inúmeras alterações fisiológicas na mulher. Fatores como o aumento do volume sanguíneo, formação da placenta e do líquido amniótico e o crescimento e desenvolvimento do bebé, justificam, naturalmente, o aumento das necessidades da mulher, sejam elas energéticas, nutricionais ou hídricas.

Focando-nos primeiramente nos micronutrientes, o ácido fólico, ou vitamina B9, é o nutriente de que todos ouvimos falar na gravidez e cuja suplementação é transversal a todas as grávidas. Trata-se de uma vitamina essencial ao desenvolvimento do tubo neural e formação dos glóbulos vermelhos do feto, cujo défice pode ser responsável por malformações congénitas como a espinha bífida. Por esse motivo, a sua demanda aumenta no período da gravidez, de 330 para 600 µg/dia. É recomendado o início da suplementação diária de 400µg (0,4mg), 3 meses antes da conceção, devendo esta prolongar-se até ao final do primeiro trimestre (12 semanas de gravidez). Contudo, importa salientar que a toma de suplementos com doses superiores à recomendada, como doses de 5mg, comuns no mercado nacional, apenas se justifica em mulheres de risco (filho anterior com defeito do tubo neural e/ou história familiar).

Desta forma, na generalidade dos casos, a dose deve ser ajustada, com o seu médico e/ou nutricionista, optando-se muitas vezes por dividir os comprimidos em 2 ou 4 metades, de forma a ser ingerida apenas a dose recomendada. A par da suplementação, é recomendado um reforço do consumo das principais fontes alimentares de folatos, como é o caso dos vegetais como o agrião, espargos, beterraba, espinafre, couve lombarda e a couve-de-bruxelas, bem como das leguminosas, ovo, cereais integrais e frutos gordos.

O iodo, encontrado essencialmente no pescado e no sal iodado, é também um nutriente essencial para o desenvolvimento cognitivo da criança assim como para a síntese das hormonas da tiróide materna, das quais o feto é dependente nas primeiras semanas de gravidez. O aporte inadequado de iodo está associado ao desenvolvimento de transtornos de défice de atenção ou hiperatividade, diminuição do quociente de inteligência, e em casos mais graves ao cretinismo e por isso deve ser suplementado no período periconcecional. Segundo a Direção Geral de Saúde (DGS), a grávida e a lactante devem ser suplementadas com 150 a 200µg/dia de iodeto de potássio, à exceção de mulheres com patologia da tiróide. Sempre que possível, esta suplementação deve ser também iniciada antes da interrupção do método contracetivo. A substituição do sal comum por sal iodado é também uma medida segura e efetiva para aumentar o aporte deste mineral.O ferro é igualmente crucial neste período, verificando-se, frequentemente, necessidade da sua suplementação (30 a 60mg/dia). A anemia por défice de ferro é bastante comum na gravidez, aumentando o risco de parto prematuro e baixo peso ao nascer.

O ideal será sempre a vigilância prévia à gravidez e no decorrer da mesma, das reservas de ferro (através da ferritina), podendo ser necessária a suplementação preventiva de forma a evitar a fase de défice mais severo que culmina em anemia. De forma a aumentar aporte de ferro, é importante reforçar o consumo de vegetais de folha verde e leguminosas, não devendo ser excluído, por completo, o consumo de carne vermelha. O reforço do consumo de alimentos ricos em vitamina C é uma boa forma de potenciar a absorção do ferro da refeição, devendo para tal recorrer-se a alimentos como o pimento, agrião, citrinos, kiwi e papaia. Por outro lado, deve limitar-se o consumo de cafeína, uma vez que esta apresenta o efeito oposto. Para além disso, a cafeína passa através da placenta e do leite materno, exercendo efeitos nefastos no feto e bebé, respetivamente. Desta forma, é recomendada uma ingestão máxima diária de 200mg (1 a 2 cafés expressos) durante o período da gravidez e lactação, havendo, contudo, estudos recentes a indicar a ausência de uma dose segura e, portanto, o mais prudente será evitar de todo o seu consumo tal como o álcool. Relativamente à suplementação nutricional, é importante salientar que a sua toma deve ser sempre iniciada mediante avaliação das análises clínicas e prescrição de um profissional de saúde qualificado, médico ou nutricionista.

No que toca ao consumo de peixe, em particular de peixe gordo, o seu consumo é fundamental em qualquer fase da vida, dado tratar-se de uma excelente fonte de gordura monoinsaturada, particularmente de ácidos gordos ómega-3 como o EPA (ácido eicosapentaenóico) e o DHA (ácido docosahexaenóico). Na grávida, a sua importância é acrescida, uma vez que é essencial a um bom desenvolvimento do sistema nervoso e da retina do feto. Contudo, é necessário ter em atenção o nível de contaminação do peixe, nomeadamente em metilmercúrio, um metal pesado nocivo para a saúde neurológica do feto.

É recomendado que as grávidas limitem o consumo de peixes como o tubarão, peixe-espada, espadarte e atum (alguns tipos), uma vez que são as principais fontes deste contaminante. Por prevenção, o consumo de atum não deve passar de uma frequência semanal, no período da gravidez. A sardinha, o salmão e o arenque são exemplos de peixes com baixo teor de mercúrio e uma quantidade interessante de ómega 3. Outras opções seguras incluem a pescada, o bacalhau, a solha e o marisco (neste último caso, poderá haver risco de contaminação e de intoxicações alimentares e por isso deve ser bem cozinhado). Para além do seu teor em ómega-3, o peixe é uma importante fonte de proteína e iodo, devendo ser consumido 2 a 3 vezes por semana, tal como recomendado para a restante população. Uma frequência de consumo acima desse valor, pode aumentar o risco de ingestão excessiva de mercúrio.

No que toca ao consumo energético na gravidez, no primeiro trimestre as necessidades aumentam de forma quase negligenciável, verificando-se um aumento de 260kcal no 2º trimestre e de 500 kcal no 3º, não significando contudo que a grávida deva “comer por dois” e sim “para dois, em qualidade”! Nesse sentido, devem ser privilegiados alimentos com elevada densidade nutricional, ricos em nutrientes essenciais a um bom desenvolvimento
do feto e da mãe.

Quanto ao ganho ponderal, é recomendado que se inicie a gravidez com um Índice de Massa Corporal (IMC) dentro da normalidade (18,5 a 24,9 kg/m2), sendo que o aumento de peso ideal vai depender do IMC prévio à gravidez, como abaixo ilustrado.

Por outro lado, uma boa hidratação materna (cerca de 2 a 2,5L de água/dia) é particularmente importante nesta fase, uma vez que promove o bom funcionamento do organismo, previne infeções urinárias e a obstipação (a par do consumo de fontes de fibra e da prática regular de atividade física) e melhora a circulação sanguínea. Desta forma, é assegurada também uma boa hidratação do bebé, quer in utero quer, posteriormente, através do leite materno.

A amamentação exclusiva até aos 6 meses de vida é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), devendo prolongar-se de forma complementar à diversificação alimentar. O leite materno é um alimento rico do ponto de vista nutricional, suprindo e adaptando-se às necessidades da criança ao longo do seu desenvolvimento. Para além da sua composição em micro e macronutrientes essenciais a um bom desenvolvimento do bebé, é rico em anticorpos, essenciais a um reforço do sistema imunitário, bem como em bactérias benéficas que colonizam a microbiota intestinal do bebé. Para além disto, contribui para um importante vínculo mãe-bebé, beneficiando a saúde e o bem-estar de ambos. Parece ter um efeito protetor em relação ao risco de obesidade futura, diabetes tipo 2 e alergias do bebé, promovendo também a involução uterina e uma maior perda de peso no pós-parto e exercendo ainda um importante efeito anticoncecional.

Por todas estas razões, sempre que possível, e a mãe assim o desejar, deve ser a primeira opção na alimentação do bebé.A gravidez, a par dos primeiros meses da vida da criança, constitui um período ideal para a reeducação dos hábitos alimentares de toda a família! É essencial a adoção de uma alimentação e estilo de vida equilibrados, já que a programação da saúde das gerações futuras começa ainda na vida intrauterina.

 

Nutricionista Maria Inês Cardoso 3793N

 

Referências:

1. Barker DJ, Osmond C. Infant mortality, childhood nutrition, and ischaemic heart disease in England and Wales. Lancet (London, England). 1986;1(8489):1077-81.

2. Alimentação e Nutrição na Gravidez. Lisboa: Direção-Geral da Saúde, 2021. 1. Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco: Direção-Geral da Saúde; 2015. 2. Procter SB, Campbell CG. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: Nutrition and Lifestyle for a Healthy Pregnancy Outcome. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics. 2014;114(7):1099-103.

3. Gernand AD, Schulze KJ, Stewart CP, West KP, Christian P. Micronutrient deficiencies in pregnancy worldwide: health effects and prevention. Nature reviews Endocrinology. 2016;12(5):274-89.

4. da Cunha AJLA, Leite ÁJM, de Almeida IS. The pediatrician’s role in the first thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. Jornal de Pediatria (Versão em Português). 2015;91(6, Supplement 1): S44-S51.

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